quinta-feira, 20 de maio de 2010

Descontínuo e irreal

Acho que o maior motivo de tudo isso seja eu ter poucas saídas e, calmamente, não desejar nenhuma delas. Acho que me rendi um pouco mais que ontem e gosto do som dessa palavra. Com ela eu não preciso ter tanta certeza, não preciso assumir nada, posso me esquivar de vocês sempre. Eu acho. Mais do que em qualquer outro suspiro da minha vida, hoje eu acho que sinto o cheiro frio do que me rodeia. A luz fraca do quarto me permite essa penumbra tão pouco sincera que eu tanto gosto. Eu acho que não vou trocar a lâmpada antes de queimar... acho que nem quando queimar eu vou trocar. Não vou ter que ser responsável por quando fica escuro ou claro aqui dentro. Vou ter que me submeter ao cair das horas e ao arrebatamento da noite, não vou ter poderes e nem vou propiciar decepções. Olho todos esses livros que, de qualquer forma, eu não leio, um pouco de poeira já descansou ali. Com a cortina aberta eu vejo alguns vizinhos, ocupados como abelhas indo de um lado para o outro; eu? Observando. Só quando se está estático nota-se o movimento, só no silêncio percebe-se a clareza dos sons e só no breu é que se nota a luz. Eu estou parado, já não falo tanto. Doso minhas palavras usando a medida da necessidade... Não a necessidade de se falar algo, debater, continuar um diálogo ou ser educado, mas a minha precisão de falar. Sem parar e sem pensar, só jogar em cima dos outros qualquer coisa que me venha a boca e nada que seja realmente muito importante ou profundo ou trabalhoso, que tenha conteúdo, seja inteligente e faça sentido. Eu não preciso falar do que sinto para me aliviar. Já não sinto nada além desse imenso vazio com o qual me acostumei e aprendi a ouvir. Viver. Retirei, conscientemente, meu time de campo. Não quero mais jogos, esforços, alegria ou decepção. O não-viver é a minha escolha. Fuga clara e decidida, aberta, sincera. Não nego de maneira alguma. Eu fujo da vida como qualquer um fugiria se a olhasse nos olhos, trocasse algumas idéias e descobrisse seus planos. (Não me sinto especial por isso, nem acho que seja de todo verdade). Estamos todos atravessados nela? Bobagem! Ela é que guia todos os nossos passos, sejam eles quais forem. Eu sou amigo da vida, conheço suas manias, seus gostos e até mesmo um desagrado. Conversei bastante com ela mesmo sem dizer quase nada, não há preço no olhar de uma velha amiga. Sei como ela é e age e por isso fico de lado, deixo que ela faça o que lhe aprouver. Ela me olha triste e solidária, com tanta decepção que as vezes acho que a vida se esconde nos olhos de minha mãe. É aprazível e de péssimo tom a minha decisão, mas é a parte que me cabe dessa relação multifacetada com a sabedoria e loucura de uma velha caduca. Falo da vida, esclareço de maneira pobre assim para não me esquecer se um dia eu voltar a ler essas coisas.

Nunca leio o que escrevo, não acho que seja louvável e me enojo por pensar sobre isso. Ser fútil para os outros é uma coisa, notar um traço marcante como esse em mim quando estou sozinho com meus pensamentos é terrível. É um estouro no meu confortável marasmo. Marasmo esse que faz eu me sentir quase bem em minha própria pele. Especialmente quando faz frio, no frio eu até consigo me suportar.

Um pouco de música. Si tu n'etais pas la (Frehel). Ontem choveu, foi bom. Hoje não, mas não foi tão ruim. A chuva marcou o dia, vou contar os acontecimentos a partir dela. Me pegou de surpresa, estava no banho, ouvindo e cantando Lurgee. Gosto de me lavar com uma trilha sonora, me acalma. Acho que uso a ilusão de, agora, usar as pessoas para que não me sinta usado, mas a verdade é que todas elas me usam tanto quanto eu a elas. Exceto por aqueles que não uso por não precisar, simplesmente os ignoro. Não é que estejam mortos para mim, só morre quem vive e, em minha vida, nunca chegaram a existir nem como aminoácidos. E assim eu sou para alguns. Acho que isso, já que não posso conquistá-la toda, é a parte de liberdade que tenho. E a liberdade é realmente terrível. Não concebemos nunca essa faceta de ser livre, mas, quando eu me percebi vivendo assim, finalmente entendi o tormento que isso pode ser; tornar-se total e completamente obsoleto para a continuidade. Conquistar libertação não é apenas livrar-se de todas as coisas, mas também torná-las livres de você.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

.


Não sei se gosto ou se me acostumei com a minha condição, mas sair de casa se tornou um grande desafio, uma épica aventura homérica. Talvez o maior problema não seja ser notado, mas sim não me sentir fuzilado e nu, diante de tantos carrascos.

Quem sabe o mundo não esteja preparado para mim. Seria uma conveniente desculpa e uma eloqüente verdade com a qual eu viveria sem dificuldade – minha cadeira de rodas –, mas me faria continuar nesse movimento perpétuo.

Tenho por amargos os dias em que forçava o sorriso e desejava bom dia aos familiares estranhos de sempre. Agora, quero que me vejam, que me toquem, que possam distinguir meus oceanos profundos de minhas marés baixas, meus movimentos mais delicados sem que eu diga palavra qualquer.

Foi difícil manter minha aberta e aceitar o que eu sou, minha função nas engrenagens de tudo, meu super poder. Achei que produzia sorrisos e descobri que apenas dava-lhes os meus. Quis crer que no centro do palco me veriam, mas nenhum deles quis enxergar alguém além de tantas cores e piadas.

O disfarce perfeito para minha melancolia; de tanto o vestir me vi preso nele. Não tenho as chaves da cela que criei, me internei voluntariamente e não me deixam mais sair.

Dei todos os sorrisos que tinha e já não me resta muita coisa. Um bocado de lembranças, roupas velhas guardadas em gavetas, sapatos que nunca me serviram e um maço de cigarros. Quem dera eles quisessem partilhar um pouco de minhas angústias também.

Se eu fosse poeta saberia como me defender...

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Confissão

Eu encarei o espelho e vi que não há nada lá.
Eu quis criar algo de bom vindo de toda essa escuridão e me senti tão obsoleto quanto antes.
Procurei um salvador e tudo que encontrei foi mais um par de cruzes para carregar pelos outros.
Em cada rosto que eu vejo procuro um traço de semelhança. Não tenho no que me apegar e isso me leva ter... Bem, tudo que tenho em mim é apatia e uma boa dose desespero agora.

Diário

Acordei cansado. Com o passar do tempo as minhas horas de sono diminuíram bastante, não sei o motivo. Estou tão exausto quanto antes, talvez mais; agora eu tenho mais minutos para reparar em mim. Imagem mais vazia e apagada do que nunca. As paredes do quarto se afastaram, a casa ficou mais profunda, as pessoas se tornaram menos reais, o ar ficou mais ameno e pesado. Tenho espaço de sobra por aqui agora, a cama vazia, a cabeça que não encontra com o que se ocupar. Até mesmo o som dos meus passos hoje é amplificado. Passo quase todos os dias com as roupas que uso para dormir, uso a mesma xícara várias vezes para não ter que lavar outra. Organizo minhas pequenas coisas, minhas revistas, meus livros; não consigo mais me concentrar em nenhum deles. Comecei a ler cinco livros e larguei todos, essas coisas perderam o encanto. Tenho passado mais tempo escutando música e vendo tv. Eu que jurava não entender como as pessoas conseguem se deitar e ouvir música, olhando para o teto e nada mais, agora faço o mesmo e sinto o peso de tudo isso.

De alguma forma fui deixado de lado por todas as coisas que conheço, exceto minha família. Não saio de casa, não vejo meus amigos (nem os tenho). Sou avulso em todos os lugares que vou. Não tenho vontade de sair de casa, a calçada começa a ficar assustadora. Por alguns momentos eu me protejo e é bom caminhar, quando eu me sinto intocável, quando ninguém me vê, quando eu sou só mais um cliente, mais um jovem incomum indo a padaria. É nessas horas que o vazio se ameniza e eu me sinto a vontade na minha inexistência. Aos poucos aprendo a lidar com ela, a inventar razões para que assim seja melhor. Eu era sozinho porque queria, agora escolho a solidão porque ela me abraça. É minha única conviva e me amedronta até o último fio de cabelo; quando dói, ela é tudo que eu tenho para me acompanhar.

sábado, 1 de maio de 2010

Seguidores